No início existiam as Doulas e elas eram parte da família.
Veio a instituição, veio a cientificação e cabum! Veio o saber institucionalizado prever o fim da morte materna e neonatal. Mas o poder era dos homens. E evitar tragédias era papel da ciência. Dos homens. Ops. Ainda morrem muito mulheres e bebês.
Houve um tempo em que descobriram que não precisava ser assim. E a notícia se espalhou. E mais mulheres iam percebendo que suas vidas foram entregues ao universo que não pensava nelas senão como objeto para fim de perpetuação da força de trabalho humana. Pra que direitos!?
No RJ, como em muitos lugares no Brasil e no mundo, tentaram tolir o movimento. Mas era sem volta. As mulheres querem, as mulheres sabem. Parir dignamente é direito.
Contra resoluções, uma lei. Tantas leis. E muitos caminhos.
Para nós, uma lei, uma associação, uma reunião de gentes a pensar futuros possíveis. Uma certeza: nada será como antes, amanhã.
Pensar o porvir não é fácil. Tem um tanto de especulação, tem um tanto outro de acordos e suposições. Tem grãos soltos pelo caminho. E uma escalada.
Até onde vamos? Uma lei em si não garante nada. É preciso estarmos atentas e fortes pros perigos que virão e fazer escolhas. Pelas mulheres como Norte, sempre.
Legislar tem consequências. Afirmar-se profissão, tantas outras. Existem mitos e lendas a serem combatidos. Para além de “Doula não faz Parto” e “elas querer parir como índias”. Nem as índias parem ‘animalescas’ e sem assistência, nem essa função ancestral ocupa outro lugar que não seja a de compor uma ação contemporânea no cenário obstétrico.
Ocupar espaço é consequência de lutas e conquistas. E gerir os atos que carregam é agradar gregas e desagradar troianas uma vez ou outra. Um fio de navalha.
Somos Doulas porque acreditamos que mulheres sabem parir e bebês sabem nascer. E que a ciência e o conhecimento humano acumulado estão aí para auxiliar os desajustes que ocorram entre uma coisa e outra.
Com leis, novas ações surgiram. Há de se definir campo, modelos e referências. Inevitável. E faz um ano que muitas que assim reivindicam constituíram uma associação.
Construir um espaço de atuação num cenário adverso exige um conjunto de adaptações. São filigranas cotidianas.
O campo temático da assistência obstétrica detém conjuntos de normas e corromper exige alçar poder tal que, profissionalmente se possa, não ampliar o abrandamento, mas o número de resultados objetivos: mulheres com Parto digno, bebês que vêm ao mundo de forma respeitosa. Com Doulas atuando com direitos e deveres.
Se para isso é necessário estabelecer quem somos, de onde viemos e para vamos, qual o melhor custo-benefício?
Custoso é estabelecer parâmetros que adequem desejo de auxiliar às mulheres e ter diuturnamente quem tenha condições de fazê-lo. Envolve desenrolar o atendimento ideal na atenção obstétrica, convencer pares de que a presença de mais um profissional não inviabiliza ou contamina o campo, e garantir a permanência do crescimento do protagonismo de quem interessa – o benefício.
Se para mais mulheres terem mais acesso às Doulas reconhecidas como parte da assistência é necessário compor com regras e processos, estejamos nós preparadas para exercer este tempo. Com a espinha reta, a mente aberta e o coração tranquilo.

Viva a luta das Doulas!

Morgana Eneile
Presidenta ADoulasRJ